domingo, 26 de junho de 2011

Ana


Ela gostava de olhar o mar. Talvez porque tivesse o mar no próprio nome, era como se fosse parte de si. Soava até bonito “mar e Ana”. Óbvio que ia nascer assim, inconstante. Não era uma, era duas; era o mar, era Ana. Ana é a calma, a glória, a graça e a senhoria. Mar é a ressaca, a revolta, a preamar, a maré cheia de ilusões, o mar de Sizígia bailando ao gosto da lua.

Ana era cal[mar]ia. Os olhos de um negrume intenso, olhos de um besouro voador. Voar? Não, mar não voa, nada. Nada mesmo. Até agora era o que sentia ser: um mar de nada. Faltava-lhe, vez em quando, competência até para a loucura. Os cabelos de um negrume intenso à moda do olhar, embora despontassem – como que desorientados – fios d’ouro amarelo. Ana era de maresia. A pele de um negrume não tão intenso, mas ainda assim negrume. A pretidão em pessoa, o Mar Negro prosopopeiado.

Ana falava e a palavra saia veneno, escrevia e a palavra saia veneno – não porque quisesse, mas porque só sabia assim. Despejava mares de lodo ao seu redor. Não sabia ser água doce, rio não conhecia, só sabia de mar.

Ana era velha, carcomida, de época longe daqui. Vira Ártemis verter por orgulho o sangue do amado Órion, tingindo de vermelho as brumas de Ana. Vira a ira de Posêidon contra Jasão, afogara Gonçalves Dias por puro ciúme da terra, que o poeta amava mais que o mar. Sepultara muitos soldados, rindo-se lasciva das viúvas que ficaram, gloriosa por enterrar para sempre em seu seio os homens de outras.

Ana era salgada. Seu beijo, sua pele, sua flor, tudo era sal. Quanto desse sal era lágrimas de Portugal ela não sabia dizer, mas ria-se assim mesmo, pois quanto mais bebiam dela – ou nela -, mais tinham sede e Ana também era insaciável, então enquanto houvesse quem tomasse haveria quem desse.

Ana já morreu faz tempo, mas continuou por aqui matando também quem fosse insensato o suficiente pra desejar unir-se a ela. Ana é metáfora de amor de alucinação, de amor alucinado, de amor de gente besta, de amor de gente que deseja, esperneia, luta e acaba por naufragar em praias outras. Vai ver nem amor Ana é.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Notas VIII

O que eu tô vivendo agora se chama "paz". Uma paz de ver o outro e dizer entre lágrimas - que seja - "seja feliz". Uma paz de dizer "dessa água eu não quero mais", quero só esse cantinho, essa semi solidão, esse amontado de gente nova que tá chegando sem avisar, chegando querendo lugar, querendo ficar, querendo rimar com alguma poesia que ventura exista nas bandas de cá.

Essa paz de ter certeza "sim, eu tenho tudo o que preciso, e o que não tenho, não há o que se preocupar, o mais o Senhor fará".